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São João: milagre da multiplicação

  • onordestino
  • há 6 horas
  • 4 min de leitura

Como o Nordeste - e o Brasil - viram uma ancestral festividade rural se transformar num dos maiores eventos do país, com R$ 6 bilhões movimentados a cada ano



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Muito antes de se tornarem um fenômeno nacional que mistura tradição e modernidade numa expressão viva da cultura do Nordeste, as festas juninas sempre foram pequenos eventos familiares, celebrações rurais das colheitas e semeaduras de meio de ano. Quem é do Nordeste espera com ansiedade a temporada que começa com Santo Antônio (13 de junho), passa pelo ápice no São João (24) e se encerra com São Pedro (29). E abraça essas festividades que são puro sincretismo: das quadrilhas e dos sons de origem europeia (acordeão, triângulo) e africana (zabumba e outros instrumentos de percussão), aos quitutes de milho de origem indígena, passando pelo uso de fogueiras para celebrar a fertilidade da terra, comum às três culturas.


Sociedades ancestrais, na Europa, na Ásia e no Oriente Médio já cultuavam a chegada do verão ao Hemisfério Norte e a época de colheitas há milênios. Os romanos assimilaram essas tradições e as incorporaram ao cristianismo, adotado como religião oficial pelo Império no século I. A roupagem atual, dada pelos colonizadores portugueses, pôs o foco nas características dos três santos, figuras centrais das festas: o Santo Antônio casamenteiro, o São Pedro protetor das colheitas e o São Pedro associado à renovação, à proteção divina e aos milagres.

“A Igreja entendeu que, em vez de ficar dentro da diocese, era melhor juntar o sagrado e profano no mesmo espaço”, afirma o historiador José Urbano, consultor Cultural e membro da Academia de Cultura da Secretaria de Cultura de Caruaru.


Uma junção que deu numa explosão de sons e sabores. “No sítio, vovó fazia a fogueira nas vésperas dos santos e assava o milho. Tinha toda uma culinária, canjica, pamonha, milho verde, milho assado... E a bandeira junina! A festa junina é um guarda-chuva que reúne o xote, o xaxado, a dança, a quadrilha junina, e é uma espécie de teatro aberto”, resume Silvério Pessoa, músico pernambucano da Zona da Mata, da cidade de Carpina, e ex-secretário de Cultura de Pernambuco.


A mistura deu tão certo que ganhou um gigantismo impressionante, espalhou-se pelo país com sons e sotaques regionais e movimenta, segundo o Ministério do Turismo, nada menos que R$ 6 bilhões anualmente — R$ 1,1 bilhão só nas duas capitais nacionais do São João por excelência: Caruaru (PE) e Campina Grande (PB), que, juntas, responderiam por metade do dinheiro gerado no Nordeste nessa época de festas.


“As festas mais tradicionais trazem a cultura do sertão profundo, elas chegaram ao litoral depois. Lá em minha cidade, São Bento do Una (PE), éramos 5 mil habitantes com uma conexão bem forte com Portugal, devido à colonização. A maioria era parente que se casava com parente. A Valençada ia toda para o sítio do meu pai, a Fazenda Riachão, para brincar a quadrilha, que trazia elementos das danças francesas: se cantava ‘anavantur’, ‘en arrière’ (‘anarriê’), ‘balancer’…”, relembra Alceu Valença à UBC. “E lá estavam o sanfoneiro, o zabumbeiro, o triângulo. Depois, o rádio chegou às casas e, com ele, a voz de Luiz Gonzaga, que foi quem impulsionou a música das festas juninas no Brasil todo. ‘Eu vou mostrar pra vocês como se dança o baião…’”, canta o artista do sertão semi-árido que tem a sua “Anunciação” entre as músicas mais tocadas em festas da Paraíba e da Bahia.


DOIS EPICENTROS JUNINOS


Se tanto em Caruaru quanto em Campina Grande encontram-se artistas tradicionais do forró na programação, preenchem os palcos principais nomes que vão de Alceu Valença a Wesley Safadão, Léo Foguete, Forró Pegado, Seu Desejo, Bruno e Marrone e Jorge e Mateus. Este ano, o São João de Campina Grande terá 38 dias de duração. Já o de Caruaru terá mais de 1.400 atrações em 27 polos durante 65 dias. As duas cidades disputam o título de maior São João do Mundo. O historiador José Urbano conta como as festas nas cidades se desenvolveram:


“Caruaru curiosamente não tinha tradição junina, mas carnaval. A festa junina popular começou na década de 1970, quando um cidadão chamado Agripino Pereira, odontólogo, juntou dinheiro com os vizinhos para celebrar um São João comunitário na rua. Nessa mesma época, os radialistas Lirio Cavalcanti e Ivan Bulhões criaram as caravanas do rádio, que saíam como trios elétricos para que os artistas pudessem se apresentar pelas ruas. Em 1973, tiveram a ideia de decorar a rua para essa festa que teria a participação dos cantores de rádio. Em 1974, a festa teve o primeiro patrocínio, que foi a fábrica da aguardente Pitu. No ano seguinte, cresceu e migrou da Rua São Roque para a Três de Maio. E lá ficou até o final dos anos 1980, quando a administração municipal viu aquilo como fonte de receita e abraçou o evento. Em 1984, a festa foi para a Rua Rui Barbosa e, em maio de 1995, finalmente houve a inauguração do Pátio de Eventos, uma área de 40 mil metros quadrados, que acomoda 100 a 120 mil pessoas.”


Essa narrativa mostra como o evento deixou de ser uma celebração particular para tornar-se uma festividade coletiva. Segundo o professor Urbano, em 1992, o então prefeito de Campina Grande Cássio Cunha Lima foi Caruaru conhecer o São João e resolveu fazer as festas locais da cidade paraibana traçarem o mesmo caminho. “Unidas, as duas cidades fazem o maior São João do mundo, e eu não gosto de ver isso como uma rivalidade”, explica o historiador.


Bem antes da estreita relação cultural, Caruaru e Campina Grande já tiveram uma forte conexão comercial. No início do século XX, a cidade pernambucana se transformou num importante polo têxtil no Nordeste, e era Campina Grande, um centro regional de cultivo e comércio de algodão, uma de suas principais fornecedoras. Grande parte da matéria-prima chegada da Paraíba, inclusive, nem sequer permanecia em Caruaru. Era limpa e beneficiada, seguindo para Recife, de onde era exportada para Liverpool e outras cidades inglesas — um algodão nordestino que terminava alimentando as indústrias de tecelagem da alta moda europeia.

Transcrito da revista da UBC


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